O GLOBO:
Quando faltava um código de ética a Cabral.
Gente: menos rigor com Sérgio Cabral, governador do Rio. Menos!
Somente em 2011 ele teve a feliz idéia de encomendar um código de ética para
orientar sua conduta.
Não havia código quando ele voou em jatinho de Eike Batista. Nem quando
dançou agachado à porta de um hotel em Paris junto com Fernando Cavendish, dono
da empreiteira Delta e seu amigo.
A viagem a Paris em 2009 foi uma festa.
O ex-governador Garotinho publicou em seu blog fotografias de Cabral e
Cavendish (fotos acima); de Cavendish dançando abraçado com os
secretários Wilson Carlos (Governo) e Sérgio Côrtes (Saúde); e de Cavendish ao
lado dos sorridentes secretários Júlio Lopes (Transporte) e Régis Fichtner
(Casa Civil).
A Delta foi beneficiada pelo governo Cabral com obras avaliadas em R$1,49
bilhão. Pasmem: o governo desconhece o número exato de contratos celebrados com
ela.
Parte dos contratos foi dada à Delta sem que ela precisasse disputar
licitações. A Delta tem obras em todos os Estados – mas em nenhum se deu tão
bem como no Rio.
Na semana passada, Cavendish afastou-se da presidência da Delta depois de
descoberta a ligação da empresa com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, preso desde
o início de março último, acusado de formação de quadrilha e de patrocínio de
jogos ilegais. Cachoeira é suspeito de ser sócio oculto da Delta.
Datam do mesmo ano da milionária viagem a Paris com Cabral declarações
gravadas de Cavendish onde ele diz o que pensa sobre os políticos durante
conversa com diretores da Delta e da empresa Sygma.
“Se eu botar 30 milhões na mão de um político, eu sou convidado pra coisa
pra caralho. Pode ter certeza disso”, diz. E segue:
- Estou sendo muito sincero com vocês: seis milhões aqui, eu ia ser
convidado (para tocar obras). "Ô, senador fulano de tal, se convidar, eu
boto o dinheiro na tua mão".
Cavendish deixa claro que não é qualquer um que receberá propina dele. “Eu
não me interesso pela arraia-miúda. Nenhum interesse por arraia-miúda.” Cabral
é arraia grande.
De volta a 2009. Como Cabral poderia supor que desrespeitava a ética com a
viagem a Paris se não dispunha de um código que estabelecesse os limites de
ação de um homem público?
Sem um código, convenhamos, o que é aético para você pode não ser para mim –
e vice e versa. Concorda?
Digitei “ética” no Google. Fiz isso no último sábado. Sabe quantas páginas
me foram oferecidas? Em números redondos, 57 milhões.
Digitei “código de ética”. Havia quase 17 milhões de páginas disponíveis.
Quer dizer: trata-se de um assunto complexo, sujeito a interpretações que
variam de acordo com o tempo (época) e o espaço (lugar).
Antes da confecção do código, Cabral só contava com a própria intuição para
guiá-lo.
Digamos que tivesse lido este trecho: “Ética é um conjunto de valores morais
e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade. Serve para que haja um
equilíbrio e bom funcionamento social, possibilitando que ninguém saia
prejudicado”.
Talvez se perguntasse: “O bom funcionamento social esteve ameaçado nas vezes
que viajei com Cavendish ou telefonei para Eike pedindo seu jato emprestado?”
Em certa ocasião, o jato ficou uma semana com ele e a família. Foi às
Bahamas, voltou a Manaus, foi às Bahamas, voltou ao Rio, foi às Bahamas e
finalmente voltou ao Rio.
Cabral é inteligente e esperto, mas um tanto descuidado.
Não deve ter identificado nenhum conflito de interesses em governar um
Estado que favorece negócios de Cavendish e de Eike e ao mesmo tempo ser passageiro
contumaz do jato de um e par constante do outro.
Mas depois do código, isso é passado, acredite. Ou não é?
O código, por exemplo, exalta a transparência.
O Jornal Nacional quis saber como Cabral e a sua turma haviam chegado a
Paris há três anos. E quem pagou as despesas.
A resposta foi o silêncio envergonhado.
Sabe de uma coisa?
Dever de casa para Cabral até o fim do seu mandato: ler todo dia uma página
do código, recomeçando depois que acabar de ler a última.
Ricardo Noblat.
Juntos Somos Fortes!
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