PISTOLAS
HARPERS FERRY E/OU PISTOLAS WOLF
Com a consolidação do
Estado-nação ao longo do século XIX, ocorreu a profissionalização efetiva dos
integrantes das forças armadas dos países em razão da massificação dessas
forças que foram divididas em forças de terra e dos mares – no século XX as
forças aéreas. Diante disso, as forças de terra passaram a ser divididas em
exércitos, corpos-de-exército, divisões, brigadas, regimentos e batalhões.
Nessa esteira ocorreu também a especialização das armas: cavalaria, infantaria,
artilharia, intendência, corpo de saúde e por fim as polícias militares. No
sentido de distinguir uma das outras cada arma adotou um símbolo específico,
tal como no Brasil, onde a cavalaria adotou duas lanças cruzadas, a infantaria
dois fuzis cruzados com uma granada no centro, artilharia com a bomba armada, a
intendência a folha de acanto e assim por diante. Mas a origem do símbolo mais
característico das polícias militares do Brasil, as “garruchas cruzadas de
metal amarelo”, está nos campos de batalha da Itália em 1944. Durante algum
tempo, no entanto, esse fato permaneceu em certa obscuridade de onde originou
nomes dispares com objetivo de designá-las: a Polícia Militar de São Paulo
passou a designá-las romanticamente de “pistolas bucaneiras” e a Brigada
Militar erroneamente de “pistolas Clark” em alusão ao controvertido tenente-general
Mark W. Clark (1896-1984) que comandou o 5º Exército norte-americano na Itália,
na qual a FEB estava subordinada. Na verdade não é nem uma e nem outra o nome
correto dessas pistolas, pois quando a FEB a adotou como símbolo para o seu
pelotão de polícia militar – o que era uma exigência do Alto Comando americano,
essas pistolas cruzadas já eram símbolos da Military Police do Exército
americano. As circunstâncias em que o Pelotão da Polícia Militar da FEB foram
criadas é descrita pelo excelente historiador Joaquim Xavier da Silveira. “A
organização de uma unidade para atuar com função de polícia militar foi uma das
exigências ditadas pela necessidade de adaptar o Exército brasileiro à nova
estrutura que permitiria à tropa operar em combate. Como se
tratava de tropa especial, teve de ser criada...Em 5 de fevereiro de 1944, por
boletim especial do Exército, o Pelotão de Polícia começou ser organizado,
inicialmente com elementos do 3º RI – sua estrutura organizacional seguia a
linha do modelo americano Military Police
Platoon. Algum tempo depois, o Diretor da Guarda Civil de São Paulo
colocava a disposição da 1ª DIE todo o seu pessoal para que dela saísse o
contingente principal do Pelotão de Polícia. O oferecimento foi aceito...O
Pelotão de Polícia foi então organizado em sua maioria com elementos oriundos
daquela conceituada corporação policial e desde o começo se destacou do resto
da FEB: uniforme bem cortado, aparência marcial e um perfeito treino para o
exercício da missão a que estava destinado.... Os membros do Pelotão tinham
características que os distinguiam do resto da tropa da FEB. Na gola do uniforme, ostentavam um distintivo
“duas garruchas cruzadas” em metal amarelo, uma braçadeira azul-marinho com as
letras MP (Military Police). No capacete, havia uma bandeira brasileira no
centro, tendo dos lados as letras M à direita e P à esquerda, envolvendo o
capacete duas faixas amarelas e atrás o distintivo do V Exército.”
(SILVEIRA: 2001, pp. 102-103). Antes disso, o Governo brasileiro (Exército)
determinou, através do Aviso nº 1.840, de 11 de julho de 1944, que o símbolo do
Pelotão de Polícia Militar da FEB seria as “garruchas cruzadas” idêntico ao
usado pela Military Police do
Exército americano.
O Exército brasileiro, antes da
FEB, não tinha um “corpo de polícia” interno, como acabou sendo criado depois
da Segunda Guerra Mundial com a designação de Polícia do Exército por esforço
férreo do general Zenóbio da Costa. O Exército dos Estados Unidos criou a
Military Police em 1922, por ação do general-de-Exército (cinco estrelas) John Joseph
“Black Jack” Pershing (1860-1948), considerado founding father (pai criador) da Military Police do Exército americano e o instituidor das Pistolas
Cruzadas em metal amarelo, denominadas “Pistolas Harpers Ferry” modelo 1805,
como símbolo dessa nova divisão daquele exército. Harpers Ferry era em homenagem
a cidade encravada nas montanhas do Estado da Virginia Ocidental, que desde
1794, por determinação do então Presidente George Washington, nela se instalou
uma das principais fábricas de armas daquele país. Inclusive o símbolo dessa
cidade – postas em pedestal gigante na sua entrada – é as pistolas cruzadas
modelo 1805. Como podemos ver quando o Pelotão de Polícia Militar da FEB – mais
tarde Polícia do Exército – adotou as “pistolas cruzadas” como seu símbolo, tal
como era adotado pelo Exército americano, ele já era denominado “Harpers
Ferry”. Nesse sentido, o que o controvertido e discutido general Mark W. Clark
tem haver com esse símbolo? Nada. Além do mais o então tenente-general Mark Clark
exerceu o comando do 5º Exército de forma muito polêmica, embora depois da
guerra ele fosse condecorado pelo Governo americano. Mas os estudiosos
militares, destacadamente, os especialistas na II Guerra Mundial, têm sido cada
vez mais críticos para com ele. A sua lânguida participação no frustrado
desembarque e operações em Ânzio, o criticado e feroz bombardeio da Abadia de
Monte Cassino e, principalmente, a sua entrada triunfalmente inútil em Roma,
permitindo que o 10º Exército alemão se retirasse para o norte onde firmou
sólida posição na linha Gustav, o que posteriormente custou muitas vidas de
soldados aliados. Por tudo isso, ele é considerado o pior general aliado da
Segunda Guerra Mundial – dentre os comandantes de grandes unidades. Diante
disso, designar as “pistolas cruzadas” de Clark não tem sentido algum e nem ao
menos presta uma homenagem ao verdadeiro instituidor desse símbolo que foi o
general J. J. Pershing. Não resta dúvida que o
nome das “Pistolas Cruzadas” em metal amarelo, que vem a ser o símbolo das
polícias militares brasileiras, tem origem na Military Police Corps do Exército dos Estados Unidos, instituída
pelo general Pershing em 1922, como emblema dessa arma, com o nome de Harpers
Ferry. Dessa forma, essas pistolas cruzadas foram adotadas pela FEB, como
símbolo do seu Pelotão de Polícia Militar (Military
Police), sendo que essa unidade está na origem da Polícia do Exército –
criada por determinação do então general-de-exército
Euclides Zenóbio da Costa (1893-1962) – chegando mais tarde às polícias
militares. Como podemos ver o general Clark não tem nem sombra a ver com a
existência desse símbolo e nem a responsabilidade no fato do Pelotão de Polícia
da FEB passar a usá-lo como sua característica. Por outro lado, se tiver que
dar um nome diferente de Harpers Ferry – que é o seu nome original e verdadeiro
– podemos sugerir uma justa homenagem, condicionando ao abrasileiramento desse
símbolo, dando o nome do maior herói da FEB que é o sargento Max Wolf Filho
(1911-1945). Portanto, se tiver que dar um nome, que não seja Harpers Ferry, às
“Pistolas cruzadas” em metal amarelo, que seja o nome do sargento Max Wolf que
tombou em combate no dia 12 de abril de 1945, comandando uma patrulha. É
importante ressaltar que esse soldado sem igual, era policial, integrante da
Polícia Municipal do Rio de Janeiro, sendo comandante dos famosos
“carro-de-assalto”. Max Wolf era antes
de tudo um policial. Se as “Pistolas cruzadas”, símbolo mais característico
das polícias militares do Brasil, passassem a ser denominadas “Pistolas Wolf”,
seria uma homenagem mais que justa e correta ao maior herói da FEB, morto em combate na defesa da sua pátria, da
democracia e de seus soldados e que era acima de tudo um policial, profissão que certamente contribui para
fazer dele o mais glorioso soldado brasileiro que lutou nos campos de batalha
da Itália. Esse nome tem consistência e honra para receber uma homenagem
dessa envergadura e não o controvertido e sombrio general Clark que nada tem
haver com as nossas polícias militares muito menos com os seus símbolos. Em
suma, dar o nome das “Pistolas cruzadas” de Max Wolf é acima de tudo uma
homenagem às polícias militares do Brasil, cujos integrantes lutaram bravamente
na Campanha da Itália.
Bibliografia:
OLIVEIRA,
Dennison de. Os Soldados Alemães de
Vargas. Curitiba: Juruá, 2010.
SILVEIRA,
Joaquim Xavier da. A FEB por um Soldado.
Rio de Janeiro: Bibliex; Expressão e Cultura, 2001.
Romeu Karnikowski
Professor e Pesquisador PNPD da PUC/RS
Juntos Somos Fortes!
Agora ficou claro como água cristalina o porquê de uma Polícia Militar brasileira tão empenhada em defender o título e os dogmas militares: POLÍCIA MILITAR. Esqueceram, porém, a Military Police é uma espécie de Polícia do Exército (PE) dos Estados Unidos da América, e não uma instituição defensora da cidadania.
ResponderExcluirParece piada, pois sempre esbravejei que brasileiros adoram copiar os americanos... mas resistem em copiar o modelo de polícia deles. Se usar uma força policial militar para lidar com os patriotas capitalistas fosse bom, eles teriam a própria PM.
Mas não têm, né?
Lá, nos Estados Unidos, não existe uma polícia militar para fazer o serviço de prevenção ao crime (polícia ostensiva), mas sim uma unidade da polícia "composta por civis" uniformizada. A tal Military Police é parte do Exército americano em missões cujo sujeito cliente do serviço é militar do mesmo Exército preparado para a guerra com indivíduos estrangeiros...Faz todo sentido!
"E não adianta fazer piada com os portugueses porque nessa eles não tiveram participação alguma... é cagada genuinamente brasileira!"
Sgt Foxtrot
TEXTO MUITO BEM ELABORADO E DE EXCELENTE COMPREENSÃO. PARABÉNS!
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