FOLHA DE SÃO PAULO
Os mascarados
11 Out 2013
Paulo Ghiraldelli
Um Estado violento não
gera paz, gera violência. Quanto mais ele revela a sua face "pega
Amarildo", mais os "black blocs" ganham legitimidade
O Rio de Janeiro está
sob a ameaça de seu próprio governo. A lei de intimidação para quem usa máscara
em manifestações de rua foi aprovada já há semanas. Está valendo. Outras
cidades seguiram o malfadado exemplo.
Sem ter cometido
qualquer ato ilegal e não estando em "atitude suspeita" em
"lugar suspeito", mas apenas andando na rua com um cartaz, o cidadão
pode ser conduzido pela polícia à delegacia, onde terá de "bater os
dedos" --fichamento!
As cidades que optaram
por tal medida vivem o banimento daquela liberdade básica do Estado de Direito
das democracias liberais modernas. Duvido que isso tenha respaldo em nossa
Constituição.
E mais: se pensarmos no
caso do sumiço do Amarildo e de como funciona a polícia, essa atitude da
Justiça do Rio e de cidades Maria-vai-com-as-outras cria realmente uma situação
de "terrorismo de Estado".
Trata-se da reedição do
"Minority Report", não como filme, mas como realidade: uma pessoa é
presa poucos minutos antes de cometer um crime, porque uma autoridade tem agora
o dom de prever o futuro e dizer que ela iria agir ilegalmente se continuasse
solta. É um absurdo.
Uma parte das pessoas
imagina que uma lei como essa serve para deter uma ala dos manifestantes, a dos
"black blocs". Não é. Trata-se apenas de ato governamental irracional
de intimidação e vingança!
Como todo ato
governamental estúpido, a reação não demorou. Os últimos acontecimentos do Rio
de Janeiro --protestos de professores da rede pública, ação violenta de outros
grupos e repressão policial-- mostram apenas uma coisa: os mascarados que
saíram na defesa dos professores vieram de modo mais preparado do que em junho.
Ora, se o Estado, ele
próprio, sai da lei por meio de legislação ilegítima e, ainda por cima, bate em
professor, qual razão teriam os "black blocs" para não reaparecer?
Nenhuma! Eles se sentiram no dever de voltar --e voltaram.
Os "black
blocs" não estão nem aí com a direita política, que teme manifestação de
rua, embora ela própria às vezes resolva participar de alguma. Eles também não
dão a mínima bola para professores da esquerda caduca. Afinal, ninguém vai
levar a sério aquele que disser que, se fascistas usavam máscaras em aparições
públicas, então todo mascarado em manifestação de rua hoje no Brasil é
fascista.
Um Estado violento não
gera paz, gera violência. Quanto mais o Estado reprimir a população e quanto
mais sua face "pega Amarildo" revelar-se, mais a ação dos "black
blocs", caso não atinja o patrimônio público, ganhará legitimidade.
A resposta das
autoridades às manifestações de rua de junho último já viraram fumaça. Entraremos
em ano eleitoral e de Copa com uma população que, estando bem ou não
economicamente, tem lá sua parcela de insatisfação, pessoas que estão realmente
esgotadas de serem tratadas com descaso ou violência.
Como os governantes
pensam em lidar com isso? Parece que eles estão com uma fórmula meio velha e
inócua nas mãos.
Tudo que sabem fazer é
fornecer doses homeopáticas de AI-5 associadas às mentiras cabeludas de sempre.
É falta total de criatividade, bom senso e honestidade.
PAULO GHIRALDELLI, 56,
é filósofo, escritor, cartunista e professor da Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro (UFRRJ)
Juntos Somos Fortes!
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