Professor Daniel Klimroth Soares
Acho que esse será o desabafo mais visceral que escrevi até agora nas minhas redes sociais.
Ninguém faz ideia do que os profissionais passam dentro do sistema público de educação do Rio de Janeiro. Quando você encerra sua fase de estudos no Ensino Superior, você sai da faculdade cheio de sonhos e ideais. É o ímpeto de todo jovem que deseja modificar o seu país , e como a maioria que consegue enxergar a sociedade como um todo provavelmente teve a ajuda de um professor para enxergar o mundo desse modo, mais do que normal ele desejar seguir a trajetória daquele mestre que ajudou a formar a sua consciência. Entretanto, em algum momento alguém vai te avisar: "olha, você quer mesmo entrar para o magistério? Pagam muito pouco." Ainda assim você não vai se importar, afinal, para você educação não é só uma fonte de renda - e não é mesmo - é a realização de uma vocação. Mas a realidade da educação pública da "capital cultural do país" é um triturador de sonhos.
Quando se inicia, geralmente em qualquer rede pública, te enviam para as áreas com os problemas mais graves. Você acredita que isso é um sinal de que precisam da sua vontade e da sua inspiração onde tudo caminha mal - na verdade apenas estão renovando os professores que estão esgotados, de licença médica e desesperados.
Então você vai descobrir que aquelas propagandas eleitorais que dizem que tudo melhorou é, como em outros casos, mentiras vendidas para o público que não frequenta a escola, ou que - sugado pelo mercado de trabalho - deseja apenas um lugar para deixar o seu filho ocupado enquanto se esgota de trabalhar. Para essas pessoas, a maior preocupação é de consumir aquilo que há poucos anos era impensado consumir, se matam aguardando o salário que vão ganhar para comprar parafernálias produzidas por outras pessoas - que do outro lado do mundo- ganham menos do que elas. Para isso é importante que os filhos fiquem com alguém, não estão preocupados em colaborar na formação de seus filhos para a cidadania, aprenderam que cuidar bem do filho é comprar o que ele quer.
Há também aqueles que são cínicos. Como o seu poder aquisitivo pode pagar uma escola particular para os seus filhos, acham que o sistema público precisa apenas ser um modelo preventivo do sistema prisional, onde a educação integral vai impedir que aqueles sujeitos "perigosos" para a sociedade permaneçam vigiados e sobre controle. Em sua concepção de mundo como quem usa o sistema público é pobre, e estes são "limitados", basta então que aprendam a ler e escrever. Afinal, desse modo vão fazer parte do exército de reserva que mantém o salário dos demais trabalhadores em baixa, ou, simplesmente vão compor o grupo que se submete aos subempregos.
A rotina de professor então será um duro choque de realidade. Vai descobrir que não importa o quanto você se esforce para ensinar aqueles crianças, o quanto deseja que nelas seja desperto o espírito crítico, ou a consciência para o mundo em que vivem, infelizmente para uma grande parcela o resultado positivo não virá. Como poderia ser diferente? Em suas casas muitas dessas crianças apenas aprendem a não perturbar, quando tiverem dúvidas do tipo, por exemplo, qual a razão do céu ser azul. Que fiquem quietas pois seus pais estão tentando relaxar após trabalharem duro para comprar alguma parafernália nova e divertida. "Quer saber algo? Vai no google, não dei um duro danado para comprar aquele computador e você não usar."
Na escola, diversas vão trazer de casa aquele desestimulo a curiosidade. Vão considerar, então, que a escola é o lugar para brincar e conversar - não é que também não seja, mas para elas é somente isso - já que não podem ficar muito na rua, pois nunca se sabe quando vai ocorrer um tiroteio. Se até na escola as "tias" se jogam embaixo de suas mesas de trabalho para se protegerem, o que dirá nas ruas. Essas crianças vão entrar em sala com mais 40 colegas e, muito provavelmente, metade deles passam pela mesma rotina em casa. Você, professor novato, vai então descobrir com o passar do tempo que sua voz não consegue superar a de 30 alunos gritando e falando alto. Vai tentar então utilizar novos equipamentos e tudo vai faltar. A internet não funciona, o projetor quebrou, só tem um sala preparada para equipamentos multimídia, quando chove há goteiras, no calor escaldante não tem ar condicionado e nem água. Em meio a tanto descaso você vai ver um protesto inconsciente se manifestar entre seus alunos e não vai compreender: seu aluno vai pichar uma parede, o outro vai quebrar a cadeira, outro que apanha do pai vai descontar sua revolta no colega.
Você não vai compreender porque todos aqueles métodos fantásticos não funcionam naquele comunidade - claro, você vem de outra realidade e tem dificuldade de enxergar o mundo daquelas crianças. Você exausto de tentar, durante 20 minutos, com que aqueles alunos desinteressados, desestimulados - ou estimulados por outras referências e valores - o ouçam, vai se irritar. De repente, um desentendimento com o aluno mais incontrolável da turma. Você pede para fazer silêncio e ele se recusa, o coloca para fora, mas, ele também se recusa, então duas pessoas vivendo em dois mundos diferentes se tornam definitivamente hostis. Você não entende porque ele é incapaz de compreender a importância do que você o quer ensinar e ele é incapaz de compreender porque você não enxerga que no mundo dele nada daquilo tem valor. Pior, como ele não consegue aprender - por ter sofrido de vários problemas ao longo do caminho - sem notar, vai impedir que os outros sigam em frente, já que ele não consegue sair do lugar.
Para indicar todos os problemas, você passa a defender que é o seu dever sinalizar os problemas de aprendizado com o recurso que tem em mãos: as avaliações e notas. Ao término de um processo lento e continuo de aulas que se repetem e diversos modelos diferentes de avaliação que se frustram, você estabelece notas baixas a inúmeros alunos, se culpa, perde noites pensando no que errou, mas no final mantém suas notas. Para sua surpresa descobre, no conselho de classe, que aqueles mesmos alunos com baixo desempenho tiveram notas, em outras disciplinas, melhores que as suas, sendo exceções um ou outro professor que estabeleceram valores de avaliação parecidos com os seus. Logo depois, é informado que a direção está sofrendo inúmeras pressões, da Secretaria de Educação, pelos valores baixos das avaliações e é pressionado para rever suas notas. Novamente se sente culpado e, também, é responsabilizado por todos os problemas de aprendizagem de suas turmas.
Novamente rever seus métodos, faz malabarismo, desenvolve danças, cria maquetes, modifica o sistema de avaliação e nada causa grande impacto no interesse do corpo discente. Passa então a distribuir pontos até pela presença do aluno em sala de aula. É pontuação para o aluno que chegar no horário; por não gritar durante a aula; se não cuspir no chão; se souber escrever o nome, enfim, sua avaliação se torna mais subjetiva e relacionada ao grau de inconvenientes que um aluno lhe causa.
Frustrado por considerar seu trabalho pouco influente na vida daquelas crianças que você tanto deseja colaborar, passa então a se preservar. Evita aumentar o tom de voz, ignora se te ignoram quando tenta construir uma aula dialógica, desconsidera se a turma não retém atenção no que você tentar explicar, ou se despede da turma sem cobrar pela atividade que você procurou estimular para que fizessem. No dia seguinte, acorda cedo e se arrasta para voltar para a escola. Constrói subterfúgios para tanta frustração, se foca em pegar mais turmas, em aumentar a renda que é baixa, organizar as suas finanças para viagens e atividades recreativas, tudo aquilo que possa ajudá-lo na rotina desagradável. Contudo, com mais turmas, aumenta o aborrecimento, as hostilidades, os desentendimentos e as frustrações.
Após alguns anos, reencontra uma esperança, um sinal de transformação. É informado que grande parte da categoria pensa como você e que se mobiliza para fazer uma greve, greve não só por valorização e sim por melhorias de trabalho. Suspende então as atividades, participa de manifestações e crê cegamente que a sociedade vai reconhecer sua luta como legítima ao ver a grande mobilização na televisão. Nova frustração: a grande imprensa ganha dinheiro com projetos pagos pelo o seu patrão, o prefeito da cidade, e editam as imagens, falam que o movimento é pequeno e que há crianças sofrendo com a sua greve. Você não dorme mais, é ameaçado o tempo todo com notícias de corte de ponto, reposição de aulas aos sábados e até com demissão daquele cargo que você tanto se esforçou para conquistar em processo seletivo concorrido.
Nova esperança: a sua greve vai parar na justiça. Agora você acredita que um juiz, preparado para julgar as causas com imparcialidade e senso de justiça, vai reconhecer a legitimidade de tudo aquilo que você acredita. Outra desilusão: a justiça considera sua greve ilegítima. Uma onda de desinformação, boatos e enganos ocupa sua rotina, tudo é incerto. Novos julgamentos e algumas garantias. Novamente é a esperança que passa a lhe sustentar entre tantos medos. O governo - que um dia você acreditou ser algo responsável por zelar da melhor forma pelo interesse público - lhe faz promessas, até mesmo de um plano de carreira que há 20 anos a sua categoria luta para conquistar e ter sua vida dedicada a educação reconhecida.
A partir de então não é a sua crença no sistema público de educação que passa a ser triturado. O poder executivo envia um plano de carreira que é um ultraje para a sua profissão, praticamente um ato de vingança contra o seu protesto. O legislativo comprado pelo executivo trai a sua confiança e passa, na surdina, a conspirar contra as suas aspirações. O judiciário comprometido apenas com a visão de mundo de uma elite e dos senhores do poder se torna insensível as demandas que você e outros milhares, tanto lutam. Na sociedade, indiferente aos seus atos e manipulada, não encontra apoio. A imprensa que você considerava responsável por informar e colaborar na vigilância das instituições públicas passa a editar imagens, distorcer fatos e publicar mentiras, dando espaço apenas para as "fontes oficiais", mantendo a fala da sua categoria muda e seus atos invisíveis.
Agora não é mais os sistema educacional a sua fonte de indignação e descrença. Você passa a desacreditar na democracia, no sistema republicano, nas instituições públicas, nos poderes constitucionais, na imprensa e por fim, na sociedade.
Se apesar disso tudo você ainda quiser ser professor da Rede Pública do Rio de Janeiro, não vou dizer para você que o seu salário será baixo e indigno. Vou apenas dizer que se você estiver disposto a pôr todas as suas esperanças na sociedade em prova, então siga em frente. Tenha, contudo, em mente que isso não será apenas um ato de coragem, mas, igualmente de loucura. Tal como aquele apostador que coloca sua vida nas mãos do destino, quando encosta o cano frio de uma arma na cabeça e brinca de roleta russa.
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Juntos Somos Fortes!
Não concordo, acredito que o novo projeto beneficia os professores, o Rio tem melhorado muito na educação, obra de Cabral e Paes.
ResponderExcluirQuer saber o que acontece nas escolas do Rio? Entre nelas, não acredite em propagandas oficiais.
ResponderExcluirCoronel, agradeço a publicação.
Gratos pelos comentários.
ResponderExcluirCabral e Paes são inimigos do serviço público.
Fátima, juntos somos fortes!
Quer saber o que acontece na Educação Pública? Não leia jornais ou propagandas, visite as escolas. Trabalho em uma que, com 5 anos de inaugurada, é toda tomada de infiltrações e a parte elétrica já deu pane!
ResponderExcluirhttp://extra.globo.com/noticias/rio/suando-para-aprender-escola-na-tijuca-sofre-ha-oito-meses-com-quedas-de-luz-alunos-tem-aula-ate-no-patio-10532813.html